OLHOS DE COLHER HORIZONTES
Naldo velho
Alongar olhos de colher
horizontes
é porta aberta para o milagre
de conseguir gerar energias
nos pequenos gestos de
delicadeza,
na certeza de perceber o
significado
da luz do sol de um novo dia,
do riso aberto da criança
inocente,
da brisa macia de um fim de
tarde,
da magia de uma lua cheia e
exibida,
das madrugadas molhadas de
orvalho,
das águas do mar esculpindo o
rochedo,
da chuva fina a lavar os meus
medos,
do braço do amigo que existe ao
meu lado,
da carícia da mulher amada,
da passarada que invadiu minha
sala
e eu não tenho coragem de
espantar,
do trigo florescendo nos campos,
das lágrimas que choramos
sensíveis
pela emoção que hoje temos
possível,
dos colibris que moram em meu
jardim,
das palavras que eu colho e
guardo,
do verbo que eu chamo Sagrado,
do coração que suaviza a razão,
dos anjos que eu preservo em meu
peito,
apesar da morte que espreita em
meu leito,
pois a cada poema que eu planto
mais acredito na existência de
Deus.
ALUMBRAMENTOS
Naldo velho
Por conta de alumbramentos,
resolvi cultivar distâncias,
e plantei-as em lugar propício
ao lado de um pé de jasmim.
Dizem que dá uma flor solitária,
e que é bom ter muito cuidado,
seu perfume leva ao delírio
e faz ver coisas estranhas
brotadas de dentro de mim.
Plantei também mudas de
desengano,
propícias ao mês de outubro,
suas folhas são excelente remédio
na cura da inquietude e do tédio,
e as flores nascem em pencas,
melhor então que seja assim!
Só não consegui cultivar ainda
o silêncio de versos que
chorem...
Estes, melhor deixar mais pro
fim!
PESSOA ASSEMELHADA A PÁSSARO
Naldo Velho
Um Tributo a Manoel de Barros
Pessoa assemelhada a pássaro
gosta de ser chamada de poeta,
às vezes viaja pra longe
com asas de firmamento,
em outras viaja pra dentro
com asas de recolhimento.
Precisa ser íntima das águas
e adora prevaricar com o vento,
lamber madrugadas molhadas,
adornar luz da lua em seu corpo,
e lapidar significados, palavras.
Pessoa com encosto de pássaro,
gosta de janelas abertas,
quase sempre sonhar acordado;
às vezes viaja pra longe,
com asas de abrir clareiras,
em outras viaja pra dentro
com asas de romper fronteiras.
Precisa ser íntima do tempo,
prevaricar com muitos umbigos,
para poder entoar diferente
as coisas que todo mundo sente.
NAQUELA CASA
Naldo Velho
Naquela casa,
por todos os cantos e lados
a vida pulsava febril.
As paredes, como quê, respiravam
e em certos cômodos,
de seus poros, jorravam
nascentes cristalinas,
e em igarapés circulavam
versos molhados de sonhos,
que vazavam por janelas e portas
e inundavam todo o jardim.
Naquela casa
eu vi crescer meus pendores,
aprendi sobre a palavra saudade,
e chorei a inocência perdida
ao descobrir a palavra verdade...
e que por todos os cantos e lados
viviam numerosos fantasmas,
alguns ainda vivem comigo,
outros amanheceram, faz tempo,
vez em quando sonho com eles,
acenando felizes pra mim.
DAS PAREDES DAQUELA CASA
Naldo Velho
Das paredes daquela casa
gotejavam sentimentos,
alguns se assemelhavam a
lágrimas,
outros mais pareciam suores
brotados do esforço
de se manter viva a memória.
Das paredes daquela casa
algumas gotas brotavam amargas...
Paredes às vezes revelam decepções.
Mas existiam sempre aquelas
de natureza adocicadas,
coisas próprias do coração.
Nas paredes daquela casa
muitos registros, ranhuras,
algumas mais pareciam rachaduras!
O tempo gosta de deixar
cicatrizes,
e em cada uma delas um poema
que eu ainda não sei como
escrever.
TEIAS DO TEMPO
Naldo Velho
As teias do tempo separam nossos
corpos,
alongam distâncias, estabelecem
urgências,
espalham sementes, coisas nossas,
segredos,
complicados enredos de amor e
dor.
Blasfêmia é gritar aos quatro
ventos
o que o deus dos mares nos
impede.
Sacrilégio é desprezar nosso
pranto,
é fazer pouco deste sonho.
Desperdício é não embarcar bem
depressa,
é não romper amarras medonhas,
e permitir que a danada da aranha
nos envolva em teias estranhas.
Pecado é não estar em teus
braços,
é não perceber que este barco
quer navegar para bem perto
e depois naufragar.
MEU VÍCIO
Naldo Velho
Viciado em lamber madrugadas,
principalmente as insones,
fico todo excitado,
dano de falar bobagens,
e quando percebo:
escrevo um poema.
Mais uma ou duas lambidas,
e escrevo outra vez...
Amanheço remelento de versos.
Pura insensatez!
ÀS VEZES
Naldo Velho
Às vezes poemas são pálidos,
e esmaecidos não traduzem
o que pretendem.
Às vezes poemas são sombras,
só sobrevivem na neblina,
não conseguem se revelar.
Às vezes poemas são plenos,
palavra alguma
consegue materializar.
Às vezes emoções são mudas...
Há poemas que só existem
dentro da gente.
UM NOVO EPITÁFIO
Naldo Velho
Tempo de reescrever um novo
epitáfio,
de reavaliar conceitos faz tempo
ultrapassados,
de desdizer o antes dito
à luz dos conflitos agora
apaziguados,
e de enxugar lágrimas inutilmente
derramadas.
Tempo de desviar curso de um rio,
fazê-lo atravessar fronteiras,
de pegar aquele velho diário
e reler dias convenientemente
esquecidos,
de localizar sentimentos
perdidos,
e fazer novas escolhas,
pois o vento que varreu nossos
dias
levou para longe a solidão,
curou feridas antigas,
e restabeleceu a Paz em nós.
Tempo de decidir qual bagagem
é para ser levada nesta viagem,
e qual roupagem seria adequada,
para o muito que ainda há para se
fazer.
Tempo de dizer que eu te amo,
e não importa quem seja “você”!
TERRA DESERTA
Naldo Velho
Terra deserta de sonhos
não se presta ao cultivo de
gente,
e as coisas que ali acontecem
alimentam sentimentos estranhos.
Por lá não florescem gerânios,
samambaias desmaiadas padecem,
azaléias ressequidas não crescem,
e o que nos resta é semear
desenganos.
Em terra deserta de sonhos,
o canto dos pássaros destoa,
as horas de tão lentas enjoam,
e o dia nunca amanhece.
Vidas desertas de sonhos
não se prestam ao cultivo de
gente,
que por dias, meses e anos,
aprisionados às sombras não
crescem.
QUIETUDE DA ALMA
Naldo Velho
Passarinhos passeiam pela sala
e um gato sonolento espiona.
conversa travada em silêncio,
cumplicidade premeditada com o
tempo.
O cheiro de café coado bem forte,
pão francês, queijo branco, angu
de corte,
biscoito de nata, goiabada
cascão,
manteiga sem ranço, tarde macia
de agosto
e uma certa brisa quente no ar.
Que tal encostar, assim, mais um
pouco?
Embaraçar de vez nossas pernas?
Suas mãos mal intencionadas
provocam...
O meu corpo aquecido responde.
Espreguiçadeira repousa na
varanda,
samambaia chorona ao vento.
Quietude precisa da alma
que entardece aconchegada em seu
colo.
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