segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

A DANÇA DO TEMPO QUINTA PARTE

POEMA QUE NÃO PEDIU PRA NASCER
Naldo Velho

Madrugada nublada
de uma noite mal dormida,
na realidade não dormida,
e a minha poesia presa entre os dedos.

Aos poucos, ainda meio tonto,
meio troncho, meio qualquer coisa,
feito barro quase tijolo,
meio poeta, meio escombros.

O poema a que me obrigo,
tem um quê de áspero, corrosivo.
As lágrimas brotam doídas,
palavras duras, versos em carne viva.

Agora, seis e dezenove!
O sol nasceu e nem pediu licença,
Manhã cinzenta de novembro,
nuvens insolentes pelo ar.

Seis e trinta e cinco!
Um café bem quente e, eu percebo:
as rosas no vaso murcharam.
Ao fundo Nana Caymmi lembra você.

Poema que não pediu pra nascer!



VERSOS PLENOS DE INUTILIDADES
Naldo Velho

Pelo menos uma vez
versos plenos de inutilidades;
que não falem de ruas desertas,
nem de madrugadas insones,
de veneno curado de sereia,
ou da solidão, da nostalgia e do tédio,
nem se preocupem em colher poeira de estrela
e com ela fazer poderoso remédio,
nem com os descaminhos daqueles
que escolheram a inquietude
como motivação para cometer sacrilégios,
tão pouco dos que rebelados
costumam caminhar por entre escombros
para justificar aquilo que precisam dizer.

Pelo menos uma vez
versos envoltos em nulidades,
que alimentem descaradamente a possibilidade
de poder acariciar o silêncio,
mas que seja o do vazio das coisas,
pois o outro, é prenúncio de vida que reinicia,
e essa é uma heresia que hoje
eu não quero cometer.

Pelo menos uma vez,
versos que não signifiquem nada,
pois na verdade nossos enredos,
por mais que embaraçados estejam,
sempre sobreviverão ao caos.



COISAS QUE SOBRARAM DO INCÊNDIO
NALDOVELHO

Há um quê de delicadeza
nas coisas que sobraram do incêndio.

Vestígios de sonhos misturados a destroços...
Madeira, reboco, papéis, muitos panos.

Pela casa aos pedaços eu recordo a história
de um amontoado de livros, parte deles queimados. 

Há um quê de suavidade
nas cinzas que sobraram pelos cômodos.

Luz do sol, fumaça, vidraças quebradas,
e ainda assim, eu percebo os detalhes.

Portas arrombadas denunciam o desastre,
no ar um cheiro de demolição.

Há um quê de poesia
em pode sentar num canto e apreciar o estrago.

Há um quê de magia
em poder renascer dos escombros.



PRA VOCÊ
Naldo Velho

Passos, carências, desvios, caminhos,
estreitos atalhos, ribanceiras, espinhos,
pequenas feridas, ardências, fogueiras,
tropecei numa pedra, loucuras, besteiras,
fiquei tão sozinho, busquei o seu colo,
morder os seus lábios, escrever um adágio,
sugar o seu seio, chegar ao orgasmo,
seus cabelos são teias, seus pelos, amarras,
seus olhos revelam, segredos, palavras,
clareiras, carinhos, reescrever meu destino.

Se eu dormir não me acorde, respeite o cansaço,
quem sabe eu acorde ainda em seus braços?
Quem sabe a água que jorra da fonte,
lave a sujeira em meu corpo entranhada
e eu possa ser digno de estar com você?

Seus passos, seus gestos, já estou acordado,
enorme fogueira ilumina a estrada,
sinais, descobertas, aconchegos, pousadas,
suas mãos em meu corpo, feridas curadas,
arar o terreno, fecundar a semente,
valeu a espera, sagrado é o seu ventre.

Este poema de amor eu escrevi pra você.



NÓ CEGO
Naldo Velho

As horas tão lentas, a janela entreaberta,
a porta do quarto, faz tempo, fechada
e em cima da mesa um monte de papéis,
rascunhos de versos, ideias desencontradas,
solidão, nostalgia, insônia e inquietude...
Coisas sem importância!

O cinzeiro lotado, ainda cabe um cigarro,
uma xícara de café, doce e encorpado.
Lá fora é outono, aqui dentro chove...
Não consigo entender, o sol se recusa a nascer!

E o coração aprontando, ao contrário das horas
num ritmo apressado, agora chove lá fora,
meus olhos já não choram, estiagem de sonhos,
os cortes cicatrizados, nada que eu possa fazer!

Madrugada emperrada e o inverno aprisionado,
e um sol de preguiça esboça um movimento.
Calçadas e ruas molhadas, chuva fina de junho
e a vida presa num embrulho, nó cego,
que eu não consigo desatar!



DO FUNDO DO MEU UMBIGO
Naldo Velho

Um olhar indiscreto, uma porta entreaberta,
um lenço de seda encharcado de perfume,
um álbum de retratos amarelados pelo tempo,
notas soltas, desconexas, dedilhadas num piano,
algumas cantigas, baladas, toadas, boleros,
uma garrafa de conhaque, uma cigarrilha cubana,
um livro de contos, um punhado de cartas,
coisas empoeiradas, nostalgia pra todo o lado,
uma tapeçaria inacabada, uma tela faz tempo guardada,
monocromático esforço de retratar o teu rosto
e entre acertos e enganos, o sagrado e o profano,
ainda estás nos meus sonhos, dias frios de outono,
vez em quando perco o rumo e me ponho de castigo
a caminhar inquieto pelas ruas da cidade,
e escrevo poemas que exorcizem fantasmas,
coisas desencravadas do fundo do meu umbigo.



MULHER ENLUARADA
Naldo Velho

Procura-se uma mulher sardenta,
mais ou menos um metro e sessenta,
cabelos claros, desgrenhados,
olhos verdes e abusados.

Procura-se uma mulher sedenta,
mais sedutora do que aparenta,
lábios grossos e encharcados,
doce veneno disfarçado.

Procura-se uma mulher derradeira,
com garras afiadas, guerreira,
acostumada a tecer feitiços
e não há como acabar com isto!

Procura-se uma mulher enluarada,
pele branca e orvalhada,
mãos acostumadas à ternura,
capazes de levar um homem à loucura.

Diz que é a musa dos meus sonhos
e dos meus versos mais tristonhos.
Quem souber não se arrisque, juízo!
Seu ataque é rápido e preciso...

Nem queiram saber do que ela é capaz!



POESIA EM RECESSO
Naldo Velho

Na porta da frente: rastros,
vestígios de passos, sinais evidentes,
tentativas frustradas, tranquilidade aparente,
um ramalhete de flores depositado num canto
e um aviso ostensivo: favor não perturbar!

Na porta ao lado: silêncio,
fechadura emperrada, inquietude, loucura,
diferentes escolhas, algumas erradas.
Um vaso de plantas, sob o vaso uma chave
e um aviso pendurado: saí, mas volto já.

Na frente da casa: muro de pedras tão cheias de limo,
na caixa do correio, correspondência lacrada,
faz tempo entregue, simplesmente esquecida.

Na casa das coisas: lembranças doídas...
Faz tempo eu evito mexer nos guardados,
faz tempo eu não deixo brotarem os versos.

Poesia em recesso, calmaria,
sossego, assim eu proponho
e um aviso enorme pendurada no portão:
cão feroz te aguarda, melhor não ousar.



VICIADO EM VOCÊ!
Naldo Velho

Viciado em colher madrugadas,
em veneno de lua cheia e exibida,
em cantigas que questionem a vida,
em beira de mar em noite de maré cheia,
em gotas de orvalho injetadas nas veias.

Viciado em colher poesia,
por ruas, ruelas, becos estranhos,
quartos sombrios, camas vadias,
por colos, perdi a conta de quantos,
só lembro das vezes em que o meu corpo sangrou.

Viciado em colher nostalgia,
em beber da mais pura aguardente,
em chorinhos viscerais e profanos,
em boleros que sejam cubanos,
não canso de dizer que sou assim!

Viciado em dizer que te amo!
e que ainda hoje depois de tantos anos,
ainda escrevo poemas,
ainda sofro desta maldita insônia,
saudade doída que não me deixa esquecer.



PALAVRAS NÁUFRAGAS DE SONHOS
Naldo Velho

Este silêncio perverso
prejudica sensivelmente
o esforço que faço
para desenhar teu rosto,
por fazer-te fria e sombria.
E ainda que abras a janela,
a luz que percebo é pouca...
Manhãs nubladas de outono!

Esta risada nervosa
prejudica sensivelmente
o esforço que faço
para manter viva a memória,
na realidade, num mal traçado esboço.
E ainda que reconstruas o cenário,
haverá sempre muita névoa nos olhos.
Tardes chuvosas de maio!

Estas lágrimas que choro
prejudicam sensivelmente
o esforço que faço
para escrever-te um poema,
a bem da verdade, palavras náufragas de sonho.
E ainda que digas te amo!
haverá sempre a possibilidade do engano.
Noites frias e insones!    



NEM SEMPRE...
Naldo Velho

Nem sempre poesia, muitas vezes heresia,
enredo que não pode ser desfeito,
tramas, teias, dramas, grito espremido no peito,
histórias que o tempo fez questão de preservar.

Nem sempre são rosas, muitas vezes espinhos,
outras vezes são cortes, fraturas, entorses,
sangue coagulado, cicatrizes que ainda doem,
feridas que o tempo não foi capaz de curar.

Nem sempre fragrâncias, muitas vezes odores,
coisas cheirando a mofo, amareladas, apodrecidas,
resto de comida esquecida no forno,
coisas que o tempo não deu conta de dissipar.

Nem sempre vitórias, muitas vezes derrotas,
descaminhos, estranhos, sem volta,
andar desequilibrado pela beira do abismo,
escolhas que o tempo deixou você tomar.

Nem sempre o poeta que existe em mim aguenta,
muitas vezes ele se ausenta, viaja nas funduras,
macera dores, nostalgias, amarguras
e depois de algum tempo voltar a sonhar.



AO ENTRAR TENHA CUIDADO!
Naldo Velho

Na varanda da frente,
debaixo do capacho,
na porta de entrada
as chaves da casa.
Ao entrar tenha cuidado,
não me deixe fugir o gato!
Da última vez
deu um trabalho danado,
vadiou por três dias,
voltou todo machucado,
por conta das arruaças
que por aí aprontou.
Se descuidar, foge outra vez!
Não se esqueça
de cuidar das plantas...
Atenção para não afogá-las!
se molhar muito apodrecem,
se não molhar esmaecem...
É preciso saber o ponto exato,
são demasiadamente sensíveis,
qualquer gesto em excesso,
correm o risco de morrer.

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