POEMA QUE NÃO PEDIU PRA NASCER
Naldo Velho
Madrugada nublada
de uma noite mal dormida,
na realidade não dormida,
e a minha poesia presa entre os
dedos.
Aos poucos, ainda meio tonto,
meio troncho, meio qualquer
coisa,
feito barro quase tijolo,
meio poeta, meio escombros.
O poema a que me obrigo,
tem um quê de áspero, corrosivo.
As lágrimas brotam doídas,
palavras duras, versos em carne
viva.
Agora, seis e dezenove!
O sol nasceu e nem pediu licença,
Manhã cinzenta de novembro,
nuvens insolentes pelo ar.
Seis e trinta e cinco!
Um café bem quente e, eu percebo:
as rosas no vaso murcharam.
Ao fundo Nana Caymmi lembra você.
Poema que não pediu pra nascer!
VERSOS PLENOS DE INUTILIDADES
Naldo Velho
Pelo menos uma vez
versos plenos de inutilidades;
que não falem de ruas desertas,
nem de madrugadas insones,
de veneno curado de sereia,
ou da solidão, da nostalgia e do
tédio,
nem se preocupem em colher poeira
de estrela
e com ela fazer poderoso remédio,
nem com os descaminhos daqueles
que escolheram a inquietude
como motivação para cometer
sacrilégios,
tão pouco dos que rebelados
costumam caminhar por entre
escombros
para justificar aquilo que
precisam dizer.
Pelo menos uma vez
versos envoltos em nulidades,
que alimentem descaradamente a
possibilidade
de poder acariciar o silêncio,
mas que seja o do vazio das
coisas,
pois o outro, é prenúncio de vida
que reinicia,
e essa é uma heresia que hoje
eu não quero cometer.
Pelo menos uma vez,
versos que não signifiquem nada,
pois na verdade nossos enredos,
por mais que embaraçados estejam,
sempre sobreviverão ao caos.
COISAS QUE SOBRARAM DO INCÊNDIO
NALDOVELHO
Há um quê de delicadeza
nas coisas que sobraram do
incêndio.
Vestígios de sonhos misturados a
destroços...
Madeira, reboco, papéis, muitos
panos.
Pela casa aos pedaços eu recordo
a história
de um amontoado de livros, parte
deles queimados.
Há um quê de suavidade
nas cinzas que sobraram pelos
cômodos.
Luz do sol, fumaça, vidraças
quebradas,
e ainda assim, eu percebo os
detalhes.
Portas arrombadas denunciam o
desastre,
no ar um cheiro de demolição.
Há um quê de poesia
em pode sentar num canto e
apreciar o estrago.
Há um quê de magia
em poder renascer dos escombros.
PRA VOCÊ
Naldo Velho
Passos, carências, desvios,
caminhos,
estreitos atalhos, ribanceiras,
espinhos,
pequenas feridas, ardências,
fogueiras,
tropecei numa pedra, loucuras,
besteiras,
fiquei tão sozinho, busquei o seu
colo,
morder os seus lábios, escrever
um adágio,
sugar o seu seio, chegar ao orgasmo,
seus cabelos são teias, seus
pelos, amarras,
seus olhos revelam, segredos,
palavras,
clareiras, carinhos, reescrever
meu destino.
Se eu dormir não me acorde,
respeite o cansaço,
quem sabe eu acorde ainda em seus
braços?
Quem sabe a água que jorra da
fonte,
lave a sujeira em meu corpo
entranhada
e eu possa ser digno de estar com
você?
Seus passos, seus gestos, já
estou acordado,
enorme fogueira ilumina a
estrada,
sinais, descobertas, aconchegos,
pousadas,
suas mãos em meu corpo, feridas
curadas,
arar o terreno, fecundar a
semente,
valeu a espera, sagrado é o seu
ventre.
Este poema de amor eu escrevi pra
você.
NÓ CEGO
Naldo Velho
As horas tão lentas, a janela
entreaberta,
a porta do quarto, faz tempo,
fechada
e em cima da mesa um monte de
papéis,
rascunhos de versos, ideias
desencontradas,
solidão, nostalgia, insônia e
inquietude...
Coisas sem importância!
O cinzeiro lotado, ainda cabe um
cigarro,
uma xícara de café, doce e
encorpado.
Lá fora é outono, aqui dentro
chove...
Não consigo entender, o sol se
recusa a nascer!
E o coração aprontando, ao
contrário das horas
num ritmo apressado, agora chove
lá fora,
meus olhos já não choram,
estiagem de sonhos,
os cortes cicatrizados, nada que
eu possa fazer!
Madrugada emperrada e o inverno
aprisionado,
e um sol de preguiça esboça um
movimento.
Calçadas e ruas molhadas, chuva
fina de junho
e a vida presa num embrulho, nó
cego,
que eu não consigo desatar!
DO FUNDO DO MEU UMBIGO
Naldo Velho
Um olhar indiscreto, uma porta
entreaberta,
um lenço de seda encharcado de
perfume,
um álbum de retratos amarelados
pelo tempo,
notas soltas, desconexas,
dedilhadas num piano,
algumas cantigas, baladas,
toadas, boleros,
uma garrafa de conhaque, uma
cigarrilha cubana,
um livro de contos, um punhado de
cartas,
coisas empoeiradas, nostalgia pra
todo o lado,
uma tapeçaria inacabada, uma tela
faz tempo guardada,
monocromático esforço de retratar
o teu rosto
e entre acertos e enganos, o
sagrado e o profano,
ainda estás nos meus sonhos, dias
frios de outono,
vez em quando perco o rumo e me
ponho de castigo
a caminhar inquieto pelas ruas da
cidade,
e escrevo poemas que exorcizem
fantasmas,
coisas desencravadas do fundo do
meu umbigo.
MULHER ENLUARADA
Naldo Velho
Procura-se uma mulher sardenta,
mais ou menos um metro e
sessenta,
cabelos claros, desgrenhados,
olhos verdes e abusados.
Procura-se uma mulher sedenta,
mais sedutora do que aparenta,
lábios grossos e encharcados,
doce veneno disfarçado.
Procura-se uma mulher derradeira,
com garras afiadas, guerreira,
acostumada a tecer feitiços
e não há como acabar com isto!
Procura-se uma mulher enluarada,
pele branca e orvalhada,
mãos acostumadas à ternura,
capazes de levar um homem à
loucura.
Diz que é a musa dos meus sonhos
e dos meus versos mais
tristonhos.
Quem souber não se arrisque,
juízo!
Seu ataque é rápido e preciso...
Nem queiram saber do que ela é
capaz!
POESIA EM RECESSO
Naldo Velho
Na porta da frente: rastros,
vestígios de passos, sinais
evidentes,
tentativas frustradas,
tranquilidade aparente,
um ramalhete de flores depositado
num canto
e um aviso ostensivo: favor não
perturbar!
Na porta ao lado: silêncio,
fechadura emperrada, inquietude,
loucura,
diferentes escolhas, algumas
erradas.
Um vaso de plantas, sob o vaso
uma chave
e um aviso pendurado: saí, mas
volto já.
Na frente da casa: muro de pedras
tão cheias de limo,
na caixa do correio,
correspondência lacrada,
faz tempo entregue, simplesmente
esquecida.
Na casa das coisas: lembranças
doídas...
Faz tempo eu evito mexer nos
guardados,
faz tempo eu não deixo brotarem
os versos.
Poesia em recesso, calmaria,
sossego, assim eu proponho
e um aviso enorme pendurada no
portão:
cão feroz te aguarda, melhor não
ousar.
VICIADO EM VOCÊ!
Naldo Velho
Viciado em colher madrugadas,
em veneno de lua cheia e exibida,
em cantigas que questionem a
vida,
em beira de mar em noite de maré
cheia,
em gotas de orvalho injetadas nas
veias.
Viciado em colher poesia,
por ruas, ruelas, becos
estranhos,
quartos sombrios, camas vadias,
por colos, perdi a conta de
quantos,
só lembro das vezes em que o meu
corpo sangrou.
Viciado em colher nostalgia,
em beber da mais pura aguardente,
em chorinhos viscerais e
profanos,
em boleros que sejam cubanos,
não canso de dizer que sou assim!
Viciado em dizer que te amo!
e que ainda hoje depois de tantos
anos,
ainda escrevo poemas,
ainda sofro desta maldita
insônia,
saudade doída que não me deixa
esquecer.
PALAVRAS NÁUFRAGAS DE SONHOS
Naldo Velho
Este silêncio perverso
prejudica sensivelmente
o esforço que faço
para desenhar teu rosto,
por fazer-te fria e sombria.
E ainda que abras a janela,
a luz que percebo é pouca...
Manhãs nubladas de outono!
Esta risada nervosa
prejudica sensivelmente
o esforço que faço
para manter viva a memória,
na realidade, num mal traçado
esboço.
E ainda que reconstruas o
cenário,
haverá sempre muita névoa nos
olhos.
Tardes chuvosas de maio!
Estas lágrimas que choro
prejudicam sensivelmente
o esforço que faço
para escrever-te um poema,
a bem da verdade, palavras
náufragas de sonho.
E ainda que digas te amo!
haverá sempre a possibilidade do
engano.
Noites frias e insones!
NEM SEMPRE...
Naldo Velho
Nem sempre poesia, muitas vezes
heresia,
enredo que não pode ser desfeito,
tramas, teias, dramas, grito
espremido no peito,
histórias que o tempo fez questão
de preservar.
Nem sempre são rosas, muitas
vezes espinhos,
outras vezes são cortes,
fraturas, entorses,
sangue coagulado, cicatrizes que
ainda doem,
feridas que o tempo não foi capaz
de curar.
Nem sempre fragrâncias, muitas
vezes odores,
coisas cheirando a mofo,
amareladas, apodrecidas,
resto de comida esquecida no
forno,
coisas que o tempo não deu conta
de dissipar.
Nem sempre vitórias, muitas vezes
derrotas,
descaminhos, estranhos, sem
volta,
andar desequilibrado pela beira
do abismo,
escolhas que o tempo deixou você
tomar.
Nem sempre o poeta que existe em
mim aguenta,
muitas vezes ele se ausenta,
viaja nas funduras,
macera dores, nostalgias,
amarguras
e depois de algum tempo voltar a
sonhar.
AO ENTRAR TENHA CUIDADO!
Naldo Velho
Na varanda da frente,
debaixo do capacho,
na porta de entrada
as chaves da casa.
Ao entrar tenha cuidado,
não me deixe fugir o gato!
Da última vez
deu um trabalho danado,
vadiou por três dias,
voltou todo machucado,
por conta das arruaças
que por aí aprontou.
Se descuidar, foge outra vez!
Não se esqueça
de cuidar das plantas...
Atenção para não afogá-las!
se molhar muito apodrecem,
se não molhar esmaecem...
É preciso saber o ponto exato,
são demasiadamente sensíveis,
qualquer gesto em excesso,
correm o risco de morrer.
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