ESTAS PALAVRAS
Naldo Velho
Estas palavras ardem nos olhos,
toda a vez que eu as choro.
Esta palavra lágrima escorre
e inunda minhas mãos de sonhos.
Esta palavra sonho
é chama que brota perversa,
janelas e portas abertas,
pois só assim eu sobrevivo à
distância,
e a palavra chamada saudade.
Esta palavra saudade
arranha, inflama, é covarde,
é palavra áspera, estranha,
pois toda a vez que o tempo muda
cicatriz volta a doer.
Esta palavra tempo redime,
transforma dor em poema.
Ah! Esta palavra poema...
Queria tê-la conhecido antes,
não teria perdido você.
LUA CHEIA E EXIBIDA
Naldo Velho
Todos os dias,
já faz um bom tempo,
naquela praia distante,
um grupo enorme de pessoas
se reúne ao entardecer
a espera de que do ventre de uma
sereia
nasça lua cheia e exibida de amor
e dor.
Mas lua quando nasce,
nasce “esmirradinha” e sem cor.
Não sabem, estas pessoas
que lua cheia e exibida,
só nasce para os poetas,
ou então para os loucos!
Mas não fiquem tristes,
tão pouco se sintam excluídos,
pois a sereia me disse
que se você sabe poesia,
ou é um ou é outro!
Às vezes, até os dois.
A LINGUAGEM DOS VENTOS
Naldo Velho
Preciso aprender a linguagem dos
ventos,
que todos os dias invadem minha
casa
e fazem um estrago danado
não sei se por necessidade,
ou só para subverter.
Talvez alguma mensagem,
coisa trazida dos longes,
notícia que seja alvissareira,
talvez um novo tempo,
sinal de que alguma coisa vai
mudar.
Um passarinho amigo,
companheiro das manhãs de
preguiça,
disse-me assim derradeiro:
quem sabe seja a hora de
recomeçar!
Preciso aprender urgentemente
a linguagem dos ventos que
trazem,
inquietude, rebeldia,
questionamento,
para poder compreender a mensagem
que faz tempo eles procuram me
entregar.
EU NÃO CONSIGO AMANHECER
Naldo Velho
Trago em meus guardados
o gosto amargo das noites mal
dormidas
inquietude que eu tenho, faz
tempo,
ansiedade que arranha por dentro
e eu nem sei explicar o porquê!
Trago a fome compulsiva dos
loucos,
e não há nada que possa matar
minha sede,
teimosia de um tolo que vive
a percorrer caminhos estranhos,
trilhas estreitas, nubladas,
e ainda que se faça a luz,
por cegueira, eu não consigo Te
ver.
Trago um coração angustiado,
ainda ontem, sufocado,
pela fumaça de nem sei quantos
cigarros,
vez por outra, quando respiro
engasgo,
coisas que eu tenho que
reaprender.
Trago palavras molhadas,
confessas,
às vezes choradas, confusas,
ardidas,
às vezes suadas, salgadas,
cansadas,
em outras, ejaculadas, de
qualquer jeito, na pressa
de deixar marcas, registros, um
grito!
E quase sempre com cheiro de
sangue,
feridas expostas, destroços,
poemas,
por mais que o sol nasça todos os
dias,
aqui dentro eu não consigo
amanhecer.
RESTAURAÇÃO
Naldo Velho
Riscos, rabiscos, refugos,
rastros, restos, rasuras,
rejeitados relatos reclusos,
rascunhos, recentes recuos,
remendos, reclamos, roteiros,
recantos, rupturas, receios
revelam raros rochedos,
rachaduras, rasgos, ranhuras,
recheios, ranço, rancor.
Romances, receitas, recados,
restauram rotas, regaços,
reinados, refúgios, riachos,
redes, reencontros, remédios,
relicários, retratos, regalos.
Registros revelam resgates,
recompensas, recaídas, reformas,
redemoinhos, renascimento,
rendição,
relevos, renovadas respostas,
retoques, riquezas, restauração.
ESTE SONHO POEMA
Naldo Velho
Esta consistência pedra
traz o limo impregnado
e o relevo inesperado,
traz arestas esculpidas,
armadilhas desta vida.
Esta pele tecido
traz bordados, tatuagens,
vestimenta de coragem,
armadura já cerzida,
cicatriz em carne viva.
Este sangue viscoso
derramado no assoalho,
traz fuligem, traz ferrugem,
traz fumaça de cigarro,
coisa estranha e corrosiva.
Este silêncio nervoso,
esconde estragos, desencantos,
mas traz desmanche de feitiço
conjurado noite e dia,
ainda guardo as feridas.
Este sonho poema,
traça mapas, dá detalhes,
revela a força das palavras
desencravadas feito farpas
e mostra a luz a ser seguida.
LÂMINA AFIADA
Naldo Velho
Lâmina afiada corta a carne,
expõe entranhas e sangue
visguento.
Mexo e remexo, exploro vísceras,
mãos como pinça, extraio a dor
cristalizada, faz tempo, lá
dentro de mim.
Extraio a saudade e a lágrima
covarde,
semente de outono, chorada pra
dentro.
Limpo o sangue, costuro o corte
e em cima da mesa deposito
tristezas,
papel em bandeja, macero o tumor.
Nasce um poema, lirismo ao
avesso.
Apago o abajur, já posso dormir.
AQUILO QUE NOS ASSEMELHA
Naldo Velho
Aquilo que nos assemelha
é o que nos faz diferentes,
não um do outro como se pensa,
mas da maior parte da nossa
gente;
e é o que nos fez seguir por
rotas estranhas,
um através das corredeiras de um
rio,
outro a navegar por mares
bravios.
Aquilo que nos assemelha
é o que nos faz diferentes,
pois nem todos acreditam na magia
de uma madrugada inquieta,
de um amanhecer em festa,
da passarada em animada conversa,
das flores, dos cheiros, dos
gostos,
da música suave que envolve e
acalma,
da arte de dissolver espinhos
cravados na alma,
e de construir caminhos de
libertar nossos sonhos.
Aquilo que nos assemelha
é o que nos faz diferentes...
Sonhadores, inquietos, dementes,
viciados em noites de lua cheia,
em veneno ardido de serpente ou
sereia,
em andar por madrugadas insones,
pois necessitamos da benzedura do
orvalho
para que possamos abrir novos
caminhos
e levar a palavra “fazedeira” a
todos os corações.
AQUI JAZ UM POEMA DE AMOR
Naldo Velho
Não nos venham falar de ternura,
se o poema hoje vive em clausura,
impedido que está do carinho...
Beija-flor acreditou em
promessas,
voou pra bem longe e não mais
voltou.
Não nos venham falar de lirismo,
se as palavras aprisionam o
verbo...
Saudades que temos das madrugadas
insones,
hoje as esquinas sofrem manchadas
de sangue,
e a lua, coitada, a testemunhar
nossa dor.
Não nos venham falar de loucura,
pois sombrias percebemos as ruas,
cada vez mais confusas as
teias...
Desconhecemos o caminho de volta,
e o de ida, já não sabemos qual
nos restou.
Não nos venham falar de destino,
se o propósito e ferir-nos em
espinhos,
e se a verdade aprisionada
agoniza
na letra fria de um epitáfio
nervoso:
AQUI JAZ UM POEMA DE AMOR.
O POUCO QUE EU SEI
Naldo Velho
Sei dos caminhos que nos levam à
loucura
e das trilhas, abismos,
armadilhas.
Sei do sangue coagulado sobre a
ferida
e da dor na cicatriz quando
mexida.
Sei do inverno no silêncio do meu
quarto,
e das lágrimas, quase sempre não
disfarço!
Sei das ruas, vielas, esquinas
desertas,
insônia insistente, madrugadas
incertas.
Sei do amigo que se recusa ao
abraço,
chuva ácida poluindo o riacho.
Sei dos esboços, dos rascunhos,
dos sonhos,
projetos engavetados, lado
esquerdo, tristonhos.
Sei do livro de contos inacabado,
faz tempo não pego, tenho medo do
estrago!
Sei que o tempo tece teias
estranhas,
corpo cansado, presa indefesa da
aranha!
Sei que amanhã vou acordar
setembro,
se bem me lembro: primavera,
flores, temperatura amena!
Sei que no final deste caminho,
existe um outro.
Sei da pedra, do limo, das raízes
e da solidão.
LUA CHEIA
Naldo Velho
Aberta a janela:
lua cheia invadiu meu quarto.
Sem sequer pedir licença
deitou em minha cama,
sugou do meu corpo:
sangue, suor, saliva, sêmen.
Pela manhã:
lençóis umedecidos,
travesseiros emudecidos...
Solidão!
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