segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

A DANÇA DO TEMPO SEXTA PARTE

ESTAS PALAVRAS
Naldo Velho

Estas palavras ardem nos olhos,
toda a vez que eu as choro.

Esta palavra lágrima escorre
e inunda minhas mãos de sonhos.

Esta palavra sonho
é chama que brota perversa,
janelas e portas abertas,
pois só assim eu sobrevivo à distância,
e a palavra chamada saudade.

Esta palavra saudade
arranha, inflama, é covarde,
é palavra áspera, estranha,
pois toda a vez que o tempo muda
cicatriz volta a doer.

Esta palavra tempo redime,
transforma dor em poema.

Ah! Esta palavra poema...
Queria tê-la conhecido antes,
não teria perdido você.



LUA CHEIA E EXIBIDA
Naldo Velho

Todos os dias,
já faz um bom tempo,
naquela praia distante,
um grupo enorme de pessoas
se reúne ao entardecer
a espera de que do ventre de uma sereia
nasça lua cheia e exibida de amor e dor.

Mas lua quando nasce,
nasce “esmirradinha” e sem cor.

Não sabem, estas pessoas
que lua cheia e exibida,
só nasce para os poetas,
ou então para os loucos!

Mas não fiquem tristes,
tão pouco se sintam excluídos,
pois a sereia me disse
que se você sabe poesia,
ou é um ou é outro!

Às vezes, até os dois.



A LINGUAGEM DOS VENTOS
Naldo Velho


Preciso aprender a linguagem dos ventos,
que todos os dias invadem minha casa
e fazem um estrago danado
não sei se por necessidade,
ou só para subverter.

Talvez alguma mensagem,
coisa trazida dos longes,
notícia que seja alvissareira,
talvez um novo tempo,
sinal de que alguma coisa vai mudar.

Um passarinho amigo,
companheiro das manhãs de preguiça,
disse-me assim derradeiro:
quem sabe seja a hora de recomeçar!

Preciso aprender urgentemente
a linguagem dos ventos que trazem,
inquietude, rebeldia, questionamento,
para poder compreender a mensagem
que faz tempo eles procuram me entregar.



EU NÃO CONSIGO AMANHECER
Naldo Velho

Trago em meus guardados
o gosto amargo das noites mal dormidas
inquietude que eu tenho, faz tempo,
ansiedade que arranha por dentro
e eu nem sei explicar o porquê!

Trago a fome compulsiva dos loucos,
e não há nada que possa matar minha sede,
teimosia de um tolo que vive
a percorrer caminhos estranhos,
trilhas estreitas, nubladas,
e ainda que se faça a luz,
por cegueira, eu não consigo Te ver.

Trago um coração angustiado,
ainda ontem, sufocado,
pela fumaça de nem sei quantos cigarros,
vez por outra, quando respiro engasgo,
coisas que eu tenho que reaprender.

Trago palavras molhadas, confessas,
às vezes choradas, confusas, ardidas,
às vezes suadas, salgadas, cansadas,
em outras, ejaculadas, de qualquer jeito, na pressa
de deixar marcas, registros, um grito!
E quase sempre com cheiro de sangue,
feridas expostas, destroços, poemas,
por mais que o sol nasça todos os dias,
aqui dentro eu não consigo amanhecer.



RESTAURAÇÃO
Naldo Velho

Riscos, rabiscos, refugos,
rastros, restos, rasuras,
rejeitados relatos reclusos,
rascunhos, recentes recuos,
remendos, reclamos, roteiros,
recantos, rupturas, receios
revelam raros rochedos,
rachaduras, rasgos, ranhuras,
recheios, ranço, rancor.

Romances, receitas, recados,
restauram rotas, regaços,
reinados, refúgios, riachos,
redes, reencontros, remédios,
relicários, retratos, regalos.

Registros revelam resgates,
recompensas, recaídas, reformas,
redemoinhos, renascimento, rendição,
relevos, renovadas respostas,
retoques, riquezas, restauração.



ESTE SONHO POEMA
Naldo Velho

Esta consistência pedra
traz o limo impregnado
e o relevo inesperado,
traz arestas esculpidas,
armadilhas desta vida.

Esta pele tecido
traz bordados, tatuagens,
vestimenta de coragem,
armadura já cerzida,
cicatriz em carne viva.

Este sangue viscoso
derramado no assoalho,
traz fuligem, traz ferrugem,
traz fumaça de cigarro,
coisa estranha e corrosiva.

Este silêncio nervoso,
esconde estragos, desencantos,
mas traz desmanche de feitiço
conjurado noite e dia,
ainda guardo as feridas.

Este sonho poema,
traça mapas, dá detalhes,
revela a força das palavras
desencravadas feito farpas
e mostra a luz a ser seguida.



LÂMINA AFIADA
Naldo Velho

Lâmina afiada corta a carne,
expõe entranhas e sangue visguento.

Mexo e remexo, exploro vísceras,
mãos como pinça, extraio a dor
cristalizada, faz tempo, lá dentro de mim.

Extraio a saudade e a lágrima covarde,
semente de outono, chorada pra dentro.

Limpo o sangue, costuro o corte
e em cima da mesa deposito tristezas,
papel em bandeja, macero o tumor.

Nasce um poema, lirismo ao avesso.
Apago o abajur, já posso dormir.



AQUILO QUE NOS ASSEMELHA
Naldo Velho

Aquilo que nos assemelha
é o que nos faz diferentes,
não um do outro como se pensa,
mas da maior parte da nossa gente;
e é o que nos fez seguir por rotas estranhas,
um através das corredeiras de um rio,
outro a navegar por mares bravios.

Aquilo que nos assemelha
é o que nos faz diferentes,
pois nem todos acreditam na magia
de uma madrugada inquieta,
de um amanhecer em festa,
da passarada em animada conversa,
das flores, dos cheiros, dos gostos,
da música suave que envolve e acalma,
da arte de dissolver espinhos cravados na alma,
e de construir caminhos de libertar nossos sonhos.

Aquilo que nos assemelha
é o que nos faz diferentes...
Sonhadores, inquietos, dementes,
viciados em noites de lua cheia,
em veneno ardido de serpente ou sereia,
em andar por madrugadas insones,
pois necessitamos da benzedura do orvalho
para que possamos abrir novos caminhos
e levar a palavra “fazedeira” a todos os corações.



AQUI JAZ UM POEMA DE AMOR
Naldo Velho

Não nos venham falar de ternura,
se o poema hoje vive em clausura,
impedido que está do carinho...
Beija-flor acreditou em promessas,
voou pra bem longe e não mais voltou.

Não nos venham falar de lirismo,
se as palavras aprisionam o verbo...
Saudades que temos das madrugadas insones,
hoje as esquinas sofrem manchadas de sangue,
e a lua, coitada, a testemunhar nossa dor.

Não nos venham falar de loucura,
pois sombrias percebemos as ruas,
cada vez mais confusas as teias...
Desconhecemos o caminho de volta,
e o de ida, já não sabemos qual nos restou.

Não nos venham falar de destino,
se o propósito e ferir-nos em espinhos,
e se a verdade aprisionada agoniza
na letra fria de um epitáfio nervoso:
AQUI JAZ UM POEMA DE AMOR.



O POUCO QUE EU SEI
Naldo Velho

Sei dos caminhos que nos levam à loucura
e das trilhas, abismos, armadilhas.
Sei do sangue coagulado sobre a ferida
e da dor na cicatriz quando mexida.
Sei do inverno no silêncio do meu quarto,
e das lágrimas, quase sempre não disfarço!
Sei das ruas, vielas, esquinas desertas,
insônia insistente, madrugadas incertas.
Sei do amigo que se recusa ao abraço,
chuva ácida poluindo o riacho.
Sei dos esboços, dos rascunhos, dos sonhos,
projetos engavetados, lado esquerdo, tristonhos.
Sei do livro de contos inacabado,
faz tempo não pego, tenho medo do estrago!
Sei que o tempo tece teias estranhas,
corpo cansado, presa indefesa da aranha!
Sei que amanhã vou acordar setembro,
se bem me lembro: primavera, flores, temperatura amena!
Sei que no final deste caminho, existe um outro.
Sei da pedra, do limo, das raízes e da solidão.



LUA CHEIA
Naldo Velho

Aberta a janela:
lua cheia invadiu meu quarto.
Sem sequer pedir licença
deitou em minha cama,
sugou do meu corpo:
sangue, suor, saliva, sêmen.
Pela manhã:
lençóis umedecidos,
travesseiros emudecidos...

Solidão! 

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