POEMAS SUJOS
Naldo Velho
Tem dias que eu derramo
coisas ácidas pelo caminho,
tipo intempéries da alma,
nada que se aproveite depois,
e ao olhar para trás eu percebo
minha história em decomposição.
Tem dias que eu desprezo
as flores e colho os espinhos,
e por mais que critiquem minha
loucura,
teimo em fazer sangrias
na pele ressequida pela solidão.
Tem dias que brinco
de colecionar filetes de pedra,
e por mais que lhes possa parecer
estranho,
com eles cometo poesia de pura transgressão.
Tem dias que as palavras maceram
poemas sujos,
beija-flor vez por outra mergulha
no mangue...
Faz parte da evolução!
PÁSSAROS QUE SE MOVEM NA NOITE
Naldo velho
Pássaros que se movem na noite
são assemelhados às estrelas,
e o fazem em completo silêncio.
Alguns costumam voar para dentro
de mim,
são pássaros plenos de penas,
e o seu canto circula por
artérias e veias
a alimentar células sedentas
que ao perceberem sua melodia
derramam versos de lua cheia.
Outros plenos de distâncias,
gostam de fazer ninhos nas
pedras,
e no colo inebriante das sereias
costumam aprender seu canto,
para depois de volta ao meu
quarto
espalhar pelo ambiente o veneno
que faz do poeta um escravo
das palavras que eu teimo e
proponho
e de um jeito especial de sonhar.
Os pássaros que se movem na noite
são assemelhados ao eterno,
e espalham em meu quarto a
saudade
de um tempo que eu também podia
voar.
A VELHA SENHORA
Naldo Velho
E a velha senhora
sentada em seu quarto
bordava o meu nome
em tecidos e tramas.
E a cada suspiro
revelava um caminho,
e a cada sorriso
alterava o destino.
Suas mãos preciosas
registravam no pano
o carinho, a ternura,
a magia, o enredo
de um só poema
de amor e segredo.
Encostado num canto
o tempo que eu tenho
a tudo observa.
VERSOS LIBERTÁRIOS
Naldo Velho
Gosto de versos libertários,
desses que não aprisionem
palavras,
e funcionem como leito de um rio
que, vez por outra, derrama pra
todo o lado,
poesia desgovernada em direção ao
mar.
Gosto de versos mal comportados,
desses que não se dão ao
respeito,
crias bastardas, desaforadas,
indecentes,
que, vez por outra, incomodam
muita gente,
poesia de quem vive no limbo
e não tem vergonha de errar.
Gosto de versos inacabados,
desses que com o passar do tempo
agregam afluentes...
Nada mais interessante do que a
poesia que respira,
e que, vez por outra, atravesse
fronteiras,
e leve a palavra “fazedeira” para
um outro lugar.
Gosto de ser o sujeito que
escreve poemas,
desses considerados como um louco
completo.
Nada mais intrigante do que uma
teia de significados,
que, vez por outra, altera
caminhos,
ainda que no fim de tudo vá dar
no mesmo lugar.
INTROSPECTIVO
Naldo Velho
Vontade de construir caminhos
que me levem aos mais íntimos
recantos,
que revelem a origem da dor
que até hoje não se permitiu ao
pranto,
e que desvende de uma vez o
mistério
da inquietude que assola minha
alma.
Vontade de observar lá dentro,
de abrir, uma por uma, as portas,
de destrancar armários, gavetas,
de violar segredos sagrados,
e expor à luz do sol meus
guardados,
coisas que eu nem sei mais como
são.
Vontade de expulsar fantasmas,
calar de uma vez os demônios
que adoram sussurrar heresias,
que vivem e se alimentam de
sombras,
e insistem em negar o amor que eu
sinto,
ao dizer que é tudo bobagem.
Vontade de pulverizar meus medos,
de liquefazer palavras espinhos,
vontade de voltar a ser menino,
de pedir sua bênção antes de
dormir,
e ao amanhecer poder fazê-lo de
novo...
Quem sabe você possa me perdoar?
ATÉ A ÚLTIMA DANÇA
Naldo Velho
Impecavelmente vestida
todas as noites dançava sozinha
em seu quarto.
Sonhava com ritmos aconchegantes,
respiração excitada, ofegante,
e de olhos fechados viajava em
segredo;
fingia ser o amor descoberta,
imaginava ser a flor intocada
de já nem sei quantos anos.
O ar saturado de alfazema,
na cômoda dúzia de rosas
vermelhas,
na cama dezena e meia de bonecas
a tudo assistiam e sorriam;
sabiam que ela era feliz!
E assim seria até a última dança:
primavera, novembro e ao som de
um bolero.
VISITAS
Naldo Velho
O teu cheiro nas madrugadas
pousa suavemente em minhas
narinas.
Manhãs iluminadas de sonhos,
de lua aconchegada em meus
braços,
de travesseiro molhado entre as
pernas...
Qualquer dia desses, nem vou
querer acordar.
ODE AOS POETAS
Naldo velho
Poetas deviam ser presos,
amordaçados num lugar em segredo,
a sete chaves, longe dos meus
medos,
impedidos de alquimizar palavras,
e todos os poemas rasgados.
Poetas deviam ser abortados!
Por que cismam de nascer teimosos
e revirar entranhas, abusados?
Por que vivem de invadir
intimidades
e revelar pensamentos roubados?
Poetas, criaturas estranhas,
sonhadores, inúteis, coitados!
Aranhas presas em suas próprias
teias,
veneno que corre em suas próprias
veias.
Poetas, por que os quero?
Já não basta a vida a que me
obrigo?
E a poesia que trago comigo?
Poetas, indecentes, bandidos,
caiam fora do meu umbigo!
O QUE DE MELHOR EU SEI FAZER
Naldo Velho
Minha poesia mora numa rua arborizada,
primeira à esquerda após a
oficina,
cada árvore uma palavra,
cada portão um verso,
cada fachada uma rima.
É bem verdade que nem sempre
rimam,
mas sempre que permitem, ensinam.
Minha poesia se alimenta de
nostalgia,
lembranças aprisionadas em casas
sombrias,
quintais repletos de coisas,
magias,
metáforas, alegorias...
Às vezes liberto algumas,
deixo que dobrem esquinas,
que conheçam pessoas,
que transgridam com o tempo,
que se percam pelas ruas.
Pobres lembranças voltam
tristonhas!
pois ainda que disfarçadas em
versos,
não conseguem atrair pessoas...
Muito pouca gente lê poemas por
aí!
Minha poesia mora numa rua
arborizada,
casas, quintais, varandas,
lembranças, pequenas histórias,
que insistem em materializar
poemas,
e ainda que pouca gente leia,
é o que de melhor eu sei fazer.
E EU NÃO CONSIGO ENTENDER
Naldo Velho
Trago a urgência do dia que
precisa nascer,
madrugada displicente,
embaraçadas as pernas,
você diz que me ama, mas não
consegue perceber,
que eu trago águas represadas, faz
tempo,
lágrimas presas, cristalizadas,
lá dentro...
Coisa mais sem graça querer
chorar e não poder.
Trago a urgência da dor
dilacerando meu corpo,
dor de poeta que profanou a
palavra,
fez do verso faca afiada, fatiou
sentimentos,
deixou feridas expostas, prosas,
poemas,
cometeu heresias, descumpriu
sacramentos...
Você fala comigo e eu não consigo
entender.
Trago a urgência de um sonho
estranho,
diálogos interrompidos num enredo
tristonho,
janelas e portas permanecem
trancadas,
e eu sei que tenho as chaves, só
não sei onde!
Por mais que eu queira não
consigo apaziguar
a loucura que ruge em cada célula
do meu ser.
Trago a urgência do frio, da sede
e da fome,
das caminhadas solitárias, da
inquietude e da insônia,
das mãos distantes que não
arriscam um carinho,
dos braços cruzados que não
permitem um abraço
e a voz embargada já não ousa a
cantiga.
Você fala comigo e eu não consigo
entender!
FUI FEITO PRA CAÇAR RUMO
Naldo velho
Fui feito pra acreditar em
gnomos,
em musas, duendes e bruxos,
iaras, ninfas e feitiços,
daqueles conjurados sem pressa,
com saliva peçonha de sereia,
colhida em noite de lua cheia;
e não há como me tirar deste
vício!
Pois na madrugada alquimizo
sonhos,
em papel caldeirão sentimentos,
e extraio poderosa palavra
que desfaz olho gordo e
quebranto,
e cura espinhela caída,
lumbago e até prisão de ventre.
Só não traz mulher amada de
volta,
senão perde a graça o poema,
vira anúncio de jornal.
Fui feito pra caçar rumo,
mas me perco mais que outra
coisa...
E toda vez que alguém me acha,
nem sei bem porquê:
me perco, de mim, outra vez.
No meu jardim colibri, tinham
três,
por conta do carinho, hoje, são
seis,
manhã se contar de novo,
tomara que dezesseis!
Fui feito pra acreditar nestas
coisas!
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