segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

A DANÇA DO TEMPO SÉTIMA PARTE

POEMAS SUJOS
Naldo Velho

Tem dias que eu derramo
coisas ácidas pelo caminho,
tipo intempéries da alma,
nada que se aproveite depois,
e ao olhar para trás eu percebo
minha história em decomposição.

Tem dias que eu desprezo
as flores e colho os espinhos,
e por mais que critiquem minha loucura,
teimo em fazer sangrias
na pele ressequida pela solidão.

Tem dias que brinco
de colecionar filetes de pedra,
e por mais que lhes possa parecer estranho,
com eles cometo poesia de pura transgressão.

Tem dias que as palavras maceram poemas sujos,
beija-flor vez por outra mergulha no mangue...
Faz parte da evolução!



PÁSSAROS QUE SE MOVEM NA NOITE
Naldo velho

Pássaros que se movem na noite
são assemelhados às estrelas,
e o fazem em completo silêncio.
Alguns costumam voar para dentro de mim,
são pássaros plenos de penas,
e o seu canto circula por artérias e veias
a alimentar células sedentas
que ao perceberem sua melodia
derramam versos de lua cheia.
Outros plenos de distâncias,
gostam de fazer ninhos nas pedras,
e no colo inebriante das sereias
costumam aprender seu canto,
para depois de volta ao meu quarto
espalhar pelo ambiente o veneno
que faz do poeta um escravo
das palavras que eu teimo e proponho
e de um jeito especial de sonhar.
Os pássaros que se movem na noite
são assemelhados ao eterno,
e espalham em meu quarto a saudade
de um tempo que eu também podia voar.



A VELHA SENHORA
Naldo Velho

E a velha senhora
sentada em seu quarto
bordava o meu nome
em tecidos e tramas.
E a cada suspiro
revelava um caminho,
e a cada sorriso
alterava o destino.
Suas mãos preciosas
registravam no pano
o carinho, a ternura,
a magia, o enredo
de um só poema
de amor e segredo.

Encostado num canto
o tempo que eu tenho
a tudo observa.



VERSOS LIBERTÁRIOS
Naldo Velho

Gosto de versos libertários,
desses que não aprisionem palavras,
e funcionem como leito de um rio
que, vez por outra, derrama pra todo o lado,
poesia desgovernada em direção ao mar.

Gosto de versos mal comportados,
desses que não se dão ao respeito,
crias bastardas, desaforadas, indecentes,
que, vez por outra, incomodam muita gente,
poesia de quem vive no limbo
e não tem vergonha de errar.

Gosto de versos inacabados,
desses que com o passar do tempo agregam afluentes...
Nada mais interessante do que a poesia que respira,
e que, vez por outra, atravesse fronteiras,
e leve a palavra “fazedeira” para um outro lugar.

Gosto de ser o sujeito que escreve poemas,
desses considerados como um louco completo.
Nada mais intrigante do que uma teia de significados,
que, vez por outra, altera caminhos,
ainda que no fim de tudo vá dar no mesmo lugar.



INTROSPECTIVO
Naldo Velho

Vontade de construir caminhos
que me levem aos mais íntimos recantos,
que revelem a origem da dor
que até hoje não se permitiu ao pranto,
e que desvende de uma vez o mistério
da inquietude que assola minha alma.

Vontade de observar lá dentro,
de abrir, uma por uma, as portas,
de destrancar armários, gavetas,
de violar segredos sagrados,
e expor à luz do sol meus guardados,
coisas que eu nem sei mais como são.

Vontade de expulsar fantasmas,
calar de uma vez os demônios
que adoram sussurrar heresias,
que vivem e se alimentam de sombras,
e insistem em negar o amor que eu sinto,
ao dizer que é tudo bobagem.

Vontade de pulverizar meus medos,
de liquefazer palavras espinhos,
vontade de voltar a ser menino,
de pedir sua bênção antes de dormir,
e ao amanhecer poder fazê-lo de novo...
Quem sabe você possa me perdoar?



ATÉ A ÚLTIMA DANÇA
Naldo Velho

Impecavelmente vestida
todas as noites dançava sozinha em seu quarto.
Sonhava com ritmos aconchegantes,
respiração excitada, ofegante,
e de olhos fechados viajava em segredo;
fingia ser o amor descoberta,
imaginava ser a flor intocada
de já nem sei quantos anos.

O ar saturado de alfazema,
na cômoda dúzia de rosas vermelhas,
na cama dezena e meia de bonecas
a tudo assistiam e sorriam;
sabiam que ela era feliz!

E assim seria até a última dança:
primavera, novembro e ao som de um bolero.



VISITAS
Naldo Velho

O teu cheiro nas madrugadas
pousa suavemente em minhas narinas.
Manhãs iluminadas de sonhos,
de lua aconchegada em meus braços,
de travesseiro molhado entre as pernas...
Qualquer dia desses, nem vou querer acordar.



ODE AOS POETAS
Naldo velho

Poetas deviam ser presos,
amordaçados num lugar em segredo,
a sete chaves, longe dos meus medos,
impedidos de alquimizar palavras,
e todos os poemas rasgados.

Poetas deviam ser abortados!
Por que cismam de nascer teimosos
e revirar entranhas, abusados?
Por que vivem de invadir intimidades
e revelar pensamentos roubados?

Poetas, criaturas estranhas,
sonhadores, inúteis, coitados!
Aranhas presas em suas próprias teias,
veneno que corre em suas próprias veias.
Poetas, por que os quero?

Já não basta a vida a que me obrigo?
E a poesia que trago comigo?
Poetas, indecentes, bandidos,
caiam fora do meu umbigo!



O QUE DE MELHOR EU SEI FAZER
Naldo Velho

Minha poesia mora numa rua arborizada,
primeira à esquerda após a oficina,
cada árvore uma palavra,
cada portão um verso,
cada fachada uma rima.
É bem verdade que nem sempre rimam,
mas sempre que permitem, ensinam.

Minha poesia se alimenta de nostalgia,
lembranças aprisionadas em casas sombrias,
quintais repletos de coisas, magias,
metáforas, alegorias...
Às vezes liberto algumas,
deixo que dobrem esquinas,
que conheçam pessoas,
que transgridam com o tempo,
que se percam pelas ruas.

Pobres lembranças voltam tristonhas!
pois ainda que disfarçadas em versos,
não conseguem atrair pessoas...
Muito pouca gente lê poemas por aí!

Minha poesia mora numa rua arborizada,
casas, quintais, varandas,
lembranças, pequenas histórias,
que insistem em materializar poemas,
e ainda que pouca gente leia,
é o que de melhor eu sei fazer.



E EU NÃO CONSIGO ENTENDER
Naldo Velho

Trago a urgência do dia que precisa nascer,
madrugada displicente, embaraçadas as pernas,
você diz que me ama, mas não consegue perceber,
que eu trago águas represadas, faz tempo,
lágrimas presas, cristalizadas, lá dentro...
Coisa mais sem graça querer chorar e não poder.

Trago a urgência da dor dilacerando meu corpo,
dor de poeta que profanou a palavra,
fez do verso faca afiada, fatiou sentimentos,
deixou feridas expostas, prosas, poemas,
cometeu heresias, descumpriu sacramentos...
Você fala comigo e eu não consigo entender.

Trago a urgência de um sonho estranho,
diálogos interrompidos num enredo tristonho,
janelas e portas permanecem trancadas,
e eu sei que tenho as chaves, só não sei onde!
Por mais que eu queira não consigo apaziguar
a loucura que ruge em cada célula do meu ser.

Trago a urgência do frio, da sede e da fome,
das caminhadas solitárias, da inquietude e da insônia,
das mãos distantes que não arriscam um carinho,
dos braços cruzados que não permitem um abraço
e a voz embargada já não ousa a cantiga.
Você fala comigo e eu não consigo entender!



FUI FEITO PRA CAÇAR RUMO
Naldo velho

Fui feito pra acreditar em gnomos,
em musas, duendes e bruxos,
iaras, ninfas e feitiços,
daqueles conjurados sem pressa,
com saliva peçonha de sereia,
colhida em noite de lua cheia;
e não há como me tirar deste vício!

Pois na madrugada alquimizo sonhos,
em papel caldeirão sentimentos,
e extraio poderosa palavra
que desfaz olho gordo e quebranto,
e cura espinhela caída,
lumbago e até prisão de ventre.
Só não traz mulher amada de volta,
senão perde a graça o poema,
vira anúncio de jornal.

Fui feito pra caçar rumo,
mas me perco mais que outra coisa...
E toda vez que alguém me acha,
nem sei bem porquê:
me perco, de mim, outra vez.

No meu jardim colibri, tinham três,
por conta do carinho, hoje, são seis,
manhã se contar de novo,
tomara que dezesseis!

Fui feito pra acreditar nestas coisas!

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